sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Artigo escrito para o Jornal do SAJU


Roberta e Antônio foram casados durante 15 anos, onde tiveram uma relação harmoniosa e recompensadora. Como fruto desse romance nasceu Aline. Contudo, com o passar dos anos, como muitas das relações conjugais, ocorreram desgastes, fruto de ambas as partes. Antônio passou a não sentir mais o amor que possuía ao início da relação e começou a se envolver com  outra pessoa. Ao descobrir tal fato, Roberta pediu divórcio de Antônio, cuja opinião foi favorável devido a todo o contexto pelo qual passava o casal.
Ficou estipulado que Aline passaria a viver com Roberta, pois o pai iria morar com Sandy, sua nova namorada. Também ficou acertado que Antonio iria visitar sua filha a cada quinze dias nos finais de semana e que pagaria uma pensão alimentícia de 30% dos seus rendimentos líquidos. Ele sempre fora fiel ao adimplemento dessa pensão, sem deixar atrasar um dia sequer o pagamento do dito cujo. No entanto, transcorridos alguns meses, Antonio começou a faltar nas visitas que realizava com sua filha até o momento em que Aline nunca mais o viu.
A menina ficou profundamente decepcionada e triste com ele. Sua mãe dizia-lhe que ele sempre fora desse modo, nunca cumprindo com suas obrigações afetivas, por isso ele havia envolvido-se com outra pessoa, gerando a separação. Cada vez que Aline perguntava a sua mãe sobre seu pai esta lhe contava atos que ele possuía quando eram casados, sendo que esses eram fatos que nenhum filho teria orgulho.
Aline, cada vez mais, começa a substituir o amor que tinha por seu pai por um ódio profundo, até que, em determinado dia, sua mãe lhe conta que Antônio chegou a cometer abusos sexuais contra ela, porém a menina era muito pequena para se lembrar, e a mãe nunca havia prestado queixa na polícia, ou relatado a alguém, pois, segundo ela, seu ex-marido a ameaçava para que esse fato nunca fosse contado a alguém.  A partir desse incidente, Aline ignorou seu pai. Para a filha, ele nunca havia existido e não possuía a honra de ter tido, algum dia, uma relação de parentesco com ela.
Aline cresceu, estudou e casou. Quando completava 24 anos, um senhor veio até sua casa procurando por ela. Ela o recepcionou com muita educação e perguntou do que se tratava. Ele respondeu que era o pai de Aline. Naquele momento, ela se lembrou de todas as histórias que sua mãe lhe contava a respeito de seu pai e o expulsou de sua casa. Antonio suplicou que ela ouvisse-o, mas ela negava-se.
Depois de muito insistir, ela cedeu ao verdadeiro choro de seu pai. Ele lhe relatou que quando ela era muito pequena havia se separado de sua mãe, pois havia se apaixonado por outra pessoa e tinha achado melhor cada um seguir sua vida a partir daquele momento, ao contrário do que sua mãe lhe relatava que seu pai havia lhe traído com outra mulher, sendo este o motivo do pedido de divórcio.
Ele também lhe contou que várias vezes sua mãe havia combinado com ele lugares pra entregá-la às visitas como shoppings, parques, cinemas, porém Roberta nunca aparecia nesses encontros com ela, e, com uma série de repetições desses eventos, seu pai desistiu de tentar ver sua filha, pois Roberta, ao telefone, sempre lhe dizia que Aline não queria ir aos encontros nem falar com ele, sendo melhor ele deixar elas viverem em paz. Assim, foi isso que Antonio fez.
Nesse momento, Aline começou a ligar os fatos: todas as vezes que sua mãe lhe falava que seu pai não poderia ir visitá-la, ela estava mentindo, pois já havia marcado com Antonio um outro lugar para entregá-la, mas nunca a levava, e, ainda por cima, dizia que seu pai faltava aos encontros porque não se importava mais com ela, mas somente com sua nova família. Além disso, sua mãe nunca havia lhe comentado o fato de que seu pai, mesmo não tendo a oportunidade de ver sua filha, continuava, religiosamente, pagando a pensão alimentícia que sua filha tinha direito.
Ao compreender a situação, Aline percebeu que sua mãe havia feito tudo isso, pois tinha muita raiva de seu pai tê-la trocado por outra mulher, não aceitando essa perda. Assim, Roberta tentava passar essa ira a sua filha, o que de fato havia conseguido até aquele momento. Porém, Aline viu que seu pai era um bom homem e começou a conviver mais com ele. Contudo, percebeu que sua mãe havia lhe feito uma maldade, tendo convencido-a de que seu pai era um verdadeiro monstro, desse modo fazendo com a menina passa-se toda a sua infância sem a figura do pai. Hoje, Aline possui um convívio muito afetivo com Antonio, e com relação a Roberta, Aline nunca a perdoou sobre os danos que ela lhe causou em sua infância e que nunca mais poderiam ser sanados.
O caso relatado é um exemplo clássico que Gardner relatou em 1985 como síndrome de  alienação parental (SAP), onde um dos cônjuges tenta doutrinar a criança de que o outro cônjuge é uma má pessoa e que deve ser afastado do convívio dela. O Genitor Alienante é aquele que tenta denegrir a imagem da outra parte da filiação, enquanto que o Genitor Alienado é aquele cujo processo de alienação é direicionado.
Quando um dos pais tenta manipular seu filho contra o outro, muitas vezes, isso é involuntário da parte do alienante, pois ele realmente acredita que o pai ou mãe da criança é uma má pessoa. Contudo, o fato de ele talvez não ter sido um excelente marido ou esposa não significa que ele será um péssimo pai ou mãe, respectivamente.
Muitas vezes, não é necessariamente um contra um dos genitores que é praticada a alienação, mas contra terceiros como avós, madrasta, padrastos, etc. Sendo possível que qualquer pessoa que tenha alguma relação de parentesco com a criança a fomente.
Vale aqui estabelecer uma diferença entre síndrome de alienação parental e alienação parental, onde a primeira são os efeitos emocionais e comportamentais que surgirão na criança quando sofre esse processo de alienação, enquanto o segundo diz respeito ao processo em si que é realizado por alguém contra outra pessoa através da criança.
Em muitos casos, o alienador, quando a criança é menor, pode, no futuro, sofre o que Gardener também relatou de “efeito bumerangue”, onde a vida inteira o filho acreditou que o outro pai era um monstro, mas ao descobrir a verdade sobre o que realmente acontecia, a criança alienada (agora adulto) percebe que o verdadeiro monstro era quem o estava alienando contra o outro cônjuge.
            Hoje, não existe nenhuma lei positivada que mencione esse tipo de síndrome. Porém, está em tramitação no Congresso Nacional, desde 2008, um projeto de lei (Projeto de Lei nº4.053) que visa combater esse tipo de violência que atinge cada vez mais jovens e adolescentes. No dia 15 de julho de 2009, esse projeto de lei foi aprovado por unanimidade.
 Isso demonstra que, cada dia que passa, a sociedade brasileira está se conscientizando de que a SAP é uma mazela e, como tal, deve ser sanada.

Créditos: Thiago Guaragna

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

RELATO SOBRE A REUNIAO DO GRUPO VIVENCIAS

Como estudantes de direito, que vem buscando desenvolver estudos e trabalhos sobre alienação parental, a nossa experiência de participação na reunião do grupo vivencias foi extremamente enriquecedora.
Nosso conhecimento foi muito acrescido por ter tido a oportunidade de ouvir e ver pessoalmente vitimas diretas da alienação parental. Os relatos emocionados e comoventes continham grande parte das características vistas em textos sobre o assunto e, mais que isso, mostravam a visão parcial do fato, o que se faz muito importante em nosso trabalho para compreendermos todos os dramas vividos por quem é vitima da
alienação. 
Ou seja, pudemos ver na realidade os fatos que tanto lemos e ouvimos falar ao longo de nossos estudos. Outro ponto importante para nosso trabalho e formação acadêmica é a questão sempre presente das falhas do judiciário. A demora em resolver os casos, o desconhecimento acerca do tema - inclusive por parte dos aplicadores da lei - e o descaso com essa situação certamente choca e envergonha. Como pode um problema que afeta de forma tão cruel os indivíduos e também a sociedade como um todo não poder contar com um trabalho bem feito pela justiça? E mais, um trabalho por parte do próprio Estado...
Políticas públicas fariam ainda mais por esses pais e crianças, elas evitariam o problema, não esperariam ele acontecer para depois jogá-los nos tribunais. 
Enfim, o que mais foi acrescido com essa experiência no grupo foi, sem dúvida, nossa vontade de continuar a trabalhar na divulgação do assunto e no combate à alienação parental.

Porto Alegre, RS 1/12/2010
Luciana, Juliana e Ariane.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Saindo das salas da faculdade: nossa primeira oficina

Dia 29 de novembro, o G5/SAJU orgulhosamente realizou sua primeira atividade prática fora das salas e dos fóruns: fomos até o Colégio de Aplicação da UFRGS realizar uma oficina com os alunos de EJA.
A oficina foi fruto do nosso trabalho desenvolvido durante o ano de 2010, a partir do momento em que decidimos que o grupo passaria a fazer atividades também de assessoria (além da assistência). No primeiro semestre, realizamos diversos estudos a fim de escolher qual seria o objetivo do nosso trabalho e, assim, chegamos a Alienação Parental. A nossa escolha foi guiada principalmente pelo fato de a AP ser algo que precisa ser divulgado, debatido e levado à conscientização, e, também, porque seria um tema que poderíamos abordar nos dois âmbitos: tanto na assessoria quanto na assistência jurídica.
Pois bem, a partir dos estudos em grupo sobre o tema, no segundo semestre passamos a realizar ações práticas: desenvolvemos cartilhas informativas, colamos cartazes em varas de família e realizamos uma palestra aberta ao público que contou com painelistas da área da psicologia e do direito expondo o problema, suas possíveis soluções e debatendo a recém aprovada lei. Após essas primeiras realizações, começamos a nos dedicar à montagem de uma oficina que levasse a discussão do problema para mais perto da comunidade, para que fosse efetivada, assim, a conscientização acerca do tema.
E assim aconteceu. Nossa oficina contou com 25 participantes: pessoas de 18 a 57 anos, homens, mulheres, casados(as), solteiros(as), separados(as), pais, mães e filhos (as), todos dispostos a ouvir o que tínhamos para falar. De fato, notou-se o grande interesse no tema, foram expostas dúvidas, situações pessoais, visões diferentes sobre o problema... Nos sentimos inteiramente satisfeitos com o nosso trabalho, pois houve uma grande resposta por parte desse “público” tão variado. O nosso recado (sobre o quão grave e freqüente, assim como formas de lidar com a AP) com certeza foi bem passado, pudemos perceber que realmente foi despertado um momento de reflexão dentro do grupo e certamente essa reflexão vai ser passada adiante e atingir um número ainda maior de pessoas.
Nosso grupo também aprendeu muito com a oficina. Vimos que as pessoas estão dispostas sim a ouvir quem deseja falar a elas e também querem debater os assuntos. Infelizmente, vivemos em uma era em que a informação acaba freqüentemente sendo um privilégio dos poucos que a ela tem acesso, como o caso de tantos temas polêmicos que ficam dentro dos muros da faculdade ao invés de serem levados às ruas e debatidos por todos. Com essa oficina, vimos o quanto podemos levar a diante, multiplicar esse conhecimento que adquirimos com nossos estudos, só basta querer! A comunidade quer ouvir, quer saber, quer falar. Ontem, eram só 12 alunos debatendo dentro da faculdade, hoje, mais 25 pessoas estão conscientes do problema, e o amanhã promete mais números... Todo esforço vale a pena.

By Luciana Ruttscheidt